26 de junho de 2020
PARECER n. 00004/2020/GABIN/PFE-IBAMA-SEDE/PGF/AGU
NUP: 00807.003227/2019-40 INTERESSADOS: GABIN – PFE – IBAMA – SEDE ASSUNTOS: MEIO AMBIENTE
EMENTA: DIREITO AMBIENTAL. INFRAÇÃO AMBIENTAL. RESPONSABILIDADE ADMINISTRATIVA. RESPONSABILIDADE SUBJETIVA. NECESSIDADE DE DOLO OU CULPA. JURISPRUDÊNCIA PACÍFICA, ESTÁVEL, ÍNTEGRA E COERENTE (STJ). REVISÃO DA ORIENTAÇÃO JURÍDICA NORMATIVA 26/2011/PFE-IBAMA.
pelo STF na AP 470. Conceitos de autoria imediata, mediata, admitida nessa hipótese o domínio do aparato organizado de poder, incluídas estruturas empresariais, conforme jurisprudência do STF. Coautoria, requisitos, possibilidade de coautoria lateral. Participação sobre a forma de instigação (moral) ou cumplicidade (material), sendo impossível a participação em crime culposo, caso de coautoria lateral.
12. Efeitos intertemporais da revisão do entendimento da OJN n. 26/2011. Responsabilidade subjetiva enquanto exigência material da infração. Desnecessidade de sua presença expressa, sendo admitida sua presença implícita. Inteligência da legislação e jurisprudência, inclusive, penal. Autos de infração aplicados sob a vigência da OJN n. 26/2011 não são censurados pela mudança da posição se presentes, ainda que implicitamente, dolo ou culpa do agente.
ambiental administrativa baseada na Teoria do Risco Criado. Além disso, conforme o Acórdão n. 1432/2017 – Plenário, reputou o TCU relevante o estudo quanto à adequação da interpretação da responsabilidade ambiental adotada pelo Ibama, demonstrando-se a importância do tema sob o prisma do controle externo, especialmente com a pacificação do tema no âmbito do STJ.
16. Igualmente, não são poucas as vozes na doutrina que entendem a natureza subjetiva da responsabilidade administrativa ambiental, cabendo citar, por todos, Curt Trennepohl:
A aplicação de sanções sem comprovação de culpa ou dolo afronta os mais elementares pilares do nosso sistema jurídico. A aplicação de multa deve obedecer às regras do direito sancionador, pois derivadas da Lei n. 9.605/98, de 12 de fevereiro de 1998, que dispõe sobre as sanções penais e administrativas, aplicáveis às condutas e atividades lesivas ao meio ambiente.
[Responsabilidade administrativa no direito ambiental. Em FARIAS, Talden; TRENNEPOHL, Terence (Coords.). Direito ambiental brasileiro. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2019. p. 480]
17. A aplicação de um regime fundado na culpabilidade possui repercussões e necessidade de delineamentos diversos, com vistas a assegurar sua aplicação dogmaticamente fundada, evitando-se incompreensões ou duplicidade de critérios, com vistas à consistência na atuação administrativa.
18. Cabe uma observação fundamental: por meio da presente revisão de tese não se objetiva a abordagem integral de todos os elementos das infrações administrativas ambientais, mas apenas delinear os efeitos diretos da adoção do requisito de culpabilidade para sua configuração. Dessa forma, aspectos fundamentais como o conceito de ação para infrações ambientais, a tipicidade infracional objetiva e seus componentes, formas de exclusão da ilicitude de uma conduta, a configuração do nexo causal, as regras de imputação das infrações administrativas etc., não serão objeto da presente manifestação jurídica.
19. Essas questões, demandariam cada uma abordagem tão detalhada quanto à presente e postergariam a solução da presente questão, restando sua abordagem deixada para um próximo momento.
20. Dito isso, passar-se-á à operacionalização da responsabilidade ambiental subjetiva.
4. PRESSUPOSTO LEGAL PARA A DELIMITAÇÃO DOS CONCEITOS DE DOLO E CULPA
21. A responsabilidade subjetiva, embora aplicada em diversos dispositivos legais, não encontra na grande maioria desses definição específica, constituindo o Código Civil o exemplo mais notório, não sendo esse um óbice à aplicação de suas disposições, cabendo sua definição à doutrina e jurisprudência.
22. No presente caso, contudo, a Lei n. 9.605/98 prevê expressamente a aplicação subsidiária do disposto no Código Penal, in verbis:
Art. 79. Aplicam-se subsidiariamente a esta Lei as disposições do Código Penal e do Código de Processo Penal.
23. A aplicação subsidiária de normas, ainda mais quando se trata de ramos distintos, demanda esforço do intérprete, visando a não exceder o comando legal, transformando o direito administrativo sancionador em direito penal, nem negar a normatividade do artigo 79 da Lei n. 9.605/98.
24. Assim, visando a ofertar segurança jurídica à autarquia, buscou-se na presente manifestação indicar expressamente a aplicação das disposições penais que contam com aplicação no que diz respeito à responsabilidade administrativa ambiental, definindo os exatos limites do artigo 79 da Lei n. 9.605/98 quanto ao tema da culpabilidade.
25. Por exemplo, as disposições que dizem respeito à dosimetria, agravantes, atenuantes, causas de aumento ou diminuição das penas ou multas criminais não são transponíveis ao direito administrativo sancionador, o mesmo podendo-se falar do disposto no artigo 18, parágrafo único, do CP que prevê a excepcionalidade de delitos culposos. Em ambos os casos a regra da sanção administrativa é diversa e, conforme o STJ, admite a realização culposa das infrações ambientais como regra.
26. Dito isso, ao se aplicar subsidiariamente a legislação, é inevitável que se faça uso da doutrina especializada quanto a essa, ainda que com os devidos temperamentos, de forma que o emprego de trechos de doutrinadores de direito penal será realizado em diversas oportunidades, desde já cabendo apontar as menções a “crimes” ou “tipos penais” nessas constantes como devendo ser entendidos enquanto “infrações ambientais” e “tipos infracionais”.
27. Em suma, na inexistência de definição na Lei n. 9.605/98 dos conceitos de dolo e culpa, bem como de conceitos correlatos, é imposição legal a adoção daqueles previstos no Código Penal, passando-se a definir os estritos limites que essa aplicação subsidiária se dará nos itens seguintes.
4.1 Da configuração de dolo e culpa para pessoas jurídicas
28. Dito isso, em regra, a configuração de dolo e culpa para fins das pessoas jurídicas se dá através da chamada teoria do órgão, criada por Otto Gierke, que entende esses enquanto “parte do corpo da entidade e, assim, todas as suas manifestações de vontade são consideradas como da própria entidade (MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 32. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 67).
29. No âmbito do Direito Privado, em semelhante sentido Pontes de Miranda vem afirmar que o órgão não atua enquanto representante da pessoa jurídica, mas seu “presentante”, o que deriva da capacidade da própria pessoa jurídica. (MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Tratado de direito privado. 3. ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1970, 60 v. v.1: Parte Geral. Tomo I: Introdução. Pessoas Físicas e Jurídicas, p. 412)
30. Assim, tradicionalmente, é por meio da conduta das pessoas físicas que atuam em nome da pessoa jurídica que se mostra possível apurar a existência de dolo ou culpa para essas.
31. Ocorre que o Supremo Tribunal Federal (RE 548.181) ao analisar a responsabilidade penal das pessoas jurídicas por crimes ambientais, cujo dispositivo fundamental é o mesmo que justifica sua responsabilidade administrativa (CF, art. 225, § 3º), entendeu que não se afigura necessário responsabilizar ao mesmo tempo a pessoa física por meio da qual essa entidade atua, o que era
conhecida como doutrina da dupla imputação.[1]
32. Dessa forma, se no âmbito penal, não se afigura necessária a identificação do agente da pessoa jurídica que atua com dolo ou culpa, no âmbito administrativo com menos razão ainda seria necessário assim proceder, em vista do princípio da subsidiariedade do direito penal. Nesse sentido, desde a década de 1990 a própria dogmática penal, inclusive em âmbito comparado, evoluiu para admitir a existência de dolo e culpa próprios das pessoas jurídicas sem que seja necessário atribuir a essas a culpa dos seus agentes. Vejamos nesse sentido as lições de Klaus Tiedemann:
A responsabilidade criminal no sentido de uma “resposta” negativa às normas legais não poderia ser dada, de acordo com essa opinião, a não ser por indivíduos que por si só poderiam abusar da liberdade de se pronunciar a favor ou contra a lei. No entanto, não há nada a impedir de considerar as pessoas morais como receptoras de normas legais de natureza ética (supra, 13) e como uma entidade em posição de violar essas normas. Deste modo, a organização correta da pessoa coletiva é dever de si mesma, não apenas das pessoas singulares, como afirma Schiinemann. Daí o conceito de culpa da pessoa coletiva. Não falamos, na realidade da vida social, da culpa da empresa que poluiu um rio – um exemplo dado por Hirsch – ou que obteve subsídios fraudulentos? Portanto, na vida e na linguagem da sociedade, uma culpa corporativa é totalmente conhecida, e essa culpa não está completamente isenta da impressão ética ou moral, mesmo quando a coloração moral requer um conteúdo particularmente diverso. Essa culpa do grupo não é idêntica à culpa acumulada constituída pela soma da culpa pessoal (observada, por exemplo, pela lei dos Estados Unidos), e não se baseia, ou não apenas, na culpa de outro. Reconhecer no direito penal tal culpa (social) da empresa nada mais é do que expor as consequências de sua realidade social, por um lado, e as obrigações correspondentes aos direitos da empresa, por outro lado, como os autores de língua inglesa dizem muito bem até alcançar a uma “responsabilização corporativa” [TIEDEMANN, Klaus. Responsabilidade penal de pessoas jurídicas e empresas em Direito Comparado. RBCCrim, n. 11, 1995, p. 31, tradução livre]
33. No caso da responsabilidade administrativa compreendida a partir da jurisprudência do STF conjugada como o artigo 2º do Decreto n. 6.514/2008, afigura-se adequado que a culpabilidade em sentido amplo (englobando dolo e culpa em sentido estrito) deva analisar a conduta da pessoa jurídica como um todo. Por exemplo: ao se verificar a existência de uma fraude em informação do licenciamento prestada por uma pessoa jurídica, não há dúvida que essa agiu com dolo, afigurando-se excessivo exigir-se a identificação do agente que assim procedeu (muitas vezes omitido ou obscurecido pela estrutura societária) para fins de responsabilização subjetiva. Em mesmo sentido, ao verificar-se a supressão de vegetação e a edificação de propriedade de uma pessoa jurídica sem atenção às regras próprias, não há dúvidas que essa ocorreu de forma, ao menos culposa, não sendo o caso de demandar- se o nome daquele que operou a máquina que suprimiu a vegetação.
34. O que se demanda, isso sim, é a demonstração que foram atos dolosos ou culposos realizados em nome de uma pessoa jurídica que levaram a cabo uma infração ambiental, sendo a discussão dos agentes envolvidos eventualmente relevante para fins de dosimetria ou mesmo responsabilização pessoal desses.
4.2 Do conceito de dolo
35. O Código Penal assim define o delito praticado dolosamente:
Art. 18 – Diz-se o crime:
Crime doloso
I – doloso, quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo;
36. A leitura do preceito revela a necessidade de um querer do agente dirigido à realização de uma conduta prevista em um tipo infracional. Atente, nada obstante, para a possibilidade de configuração da ação dolosa em situações nas quais o agente assume o risco de produção do resultado. Nesses casos, é dizer, em situações nas quais o agente, mesmo sem desejar diretamente a prática da infração administrativa (o chamado dolo direto), age assumindo o risco de produção de resultado por ele previsto, resta configurado o chamado dolo eventual. Quanto ao ponto, Juarez Tavares fala de “uma vinculação emocional do agente para com o resultado; vale dizer, exige não apenas o conhecimento ou a previsão de que a conduta e o resultado típicos podem realizar-se, como também que o agente se ponha de acordo com isso ou na forma de conformar-se ou de aceitar ou de assumir o risco de sua produção”. (Teoria do injusto penal. Belo Horizonte: Del Rey, 2000, p. 278-279.)
37. Na prática, não se distinguem os dolos direto (caracterizado pelo querer praticar o verbo do tipo infracional), alternativo (que pode relacionar-se ao resultado pretendido – alternatividade objetiva –, ou à pessoa contra a qual se dirige a conduta ilícita – alternatividade subjetiva) e eventual. Em todas as situações, o agente age dolosamente e a ele será imputada a prática do delito administrativo.
38. Mais do que isso, a própria distinção entre o agir doloso e o agir com culpa faz pouco sentido no direito administrativo sancionador, na medida em que, tanto em uma hipótese, quanto na outra, a infração ambiental restará configurada. Para a configuração dos ilícitos administrativos ambientais basta que o agente tenha atuado com culpa, sem atenção a um dever de cuidado. Alejandro Nieto não deixou passar em branco essa característica do direito administrativo sancionador:
No Código Penal, a regra é a exigência de dolo de tal maneira que somente em casos excepcionais e também previstos, os crimes possam ser cometidos por mera imprudência (art. 12). Na Lei de Penalidades Administrativas, a situação é completamente diferente, pois, como regra, a imprudência é suficiente para entender a infração cometida e, a menos que expressamente declarado de outra forma, o dolo não é necessário; caso contrário, se ocorreu, ela opera apenas como elemento da graduação (agravante) da sanção
[GARCÍA, Alejandro Nieto. Derecho Administrativo Sancionador, 5 ed. Editorial Tecnos, 2012 (reimpressão 2018), p 339-340, tradução livre]
39. Quanto aos elementos constitutivos do dolo, Hans Welzel disse que toda ação consciente é conduzida pela decisão da ação, quer dizer, pela consciência do que se quer – o momento intelectual – e
pela decisão a respeito de querer realizá-lo – o momento volitivo. Ambos dos momentos, conjuntamente, como fatores configuradores de uma ação típica real, formam o dolo (dolo = consciência + vontade) (Derecho penal alemán. Trad. Juan Bustos Ramirez e Sergio Yañes Peréz. Jurídica Chile, 1987, p. 77).
40. É relevante perceber, nada obstante, a desnecessidade de exigir do agente a ciência do tipo infracional ao qual se amolda a conduta. Rogério Greco afirma que “a consciência, no entanto, não quer dizer que o agente conheça o tipo penal ao qual se amolda sua conduta, pois que, conforme esclarecem Bustos Ramírez e Hormazábal Malarée, ‘a exigência do conhecimento se cumpre quando o agente conhece a situação social objetiva, ainda que não saiba que essa situação social objetiva se encontra prevista dentro de um tipo penal'” (Curso de Direito Penal. 11 ed., Impetus, 2009, p. 186).
41. No que relacionado ao elemento vontade, anota-se, apoiado na doutrina de José Cerezo Mir, a impossibilidade da imputação da conduta dolosa ao agente se ele não quis o resultado delitivo como consequência de ação, ou omissão, próprias. Nessa toada, pode-se dizer que aquele que age coagido fisicamente não atua com vontade, não podendo, portanto, responder pela infração, mesmo que realize o verbo do tipo infracional. (CEREZO MIR, José. Curso de Derecho Penal Español, Parte general. Editorial Tecnos, 2001, v. II, p. 149.)
42. Aproveita-se o registro feito no tópico precedente para asseverar a relevância, no direito administrativo sancionador, da omissão para fins de configuração do tipo infracional. A omissão será relevante nas hipóteses previstas no § 2º do artigo 13 do Código Penal, in verbis:
Art. 13 – O resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido
[…]
Relevância da omissão
§ 2º – A omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia agir para evitar o resultado. O dever de agir incumbe a quem:
a) tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância;
b) de outra forma, assumiu a responsabilidade de impedir o resultado;
c) com seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado.
4.3 Da forma de comprovação de dolo ou outros elementos subjetivos diverso do dolo
43. Fundamental a compreensão de que a comprovação do elemento subjetivo (em geral dolo) não ocorre mediante prova direta da intenção psicológica e sim por meio da avaliação dos fatos objetivos provados, a partir dos quais através das regras da experiência, se intui o elemento subjetivo. O dolo se prova por meio de prova indireta, ou indícios, como se refere no âmbito do processo penal. Não é necessária à comprovação do dolo ou qualquer elemento subjetivo a confissão do agente ou necessariamente prova testemunhal.
44. Assim, imagine-se que a fiscalização flagre um terceiro disparando diversos tiros em direção a animal silvestre sem amparo legal para tal, vindo todos a atingir esse espécime, levando-o a óbito. Nesse caso, evidencia-se a intenção desse particular em abater o animal, não sendo necessário que esse afirme que era seu objetivo.
45. Inclusive no âmbito do direito processual penal é assim compreendida a prova do dolo e dos demais elementos subjetivos, cabendo transcrever a lição de Eugênio Pacelli quanto ao tema:
Em relação especificamente à prova da existência do dolo, bem como de alguns elementos subjetivos do injusto (elementos subjetivos do tipo, já impregnado pela ilicitude), é preciso uma boa dose de cautela. E isso ocorre porque a matéria localiza-se no mundo das intenções, em que não é possível uma abordagem mais segura.
Por isso, a prova do dolo (também chamado de dolo genérico) e dos elementos subjetivos do tipo (conhecidos como dolo específico) são aferidas pela via do conhecimento dedutivo, a partir do exame de todas as circunstâncias já devidamente provadas e utilizando-se como critério de referência as regras da experiência comum do que ordinariamente acontece. É a via da racionalidade. Assim, quem desfere três tiros na direção de alguém, em regra, quer produzir ou aceita o risco de produzir o resultado morte. Não se irá cogitar, em princípio, de conduta imprudente ou de conduta negligente, que caracterizam o delito culposo.
Nesses casos, a prova será obtida pelo que o Código de Processo Penal chama de indícios, ou seja, circunstância conhecida e provada que, tendo relação com o fato, autorize, por indução (trata-se, à evidência, de dedução), concluir-se a existência de outra ou de outras circunstâncias (art. 239). [Curso de Processo Penal. 21. ed. São Paulo: Atlas, 2017, item 9.1.2]
46. Ainda sobre a comprovação do elemento intelectual do dolo, vale destacar o que defende Alejandro Nieto, no sentido da impossibilidade de exata identificação desse elemento, é dizer, da inviabilidade, na prática, de perfeita comprovação da ciência, pelo infrator, dos fatos constitutivos do tipo infracional:
Desnecessário será dizer que, na prática, a identificação desse elemento nunca pode ser exata, pois é impossível penetrar na mente do autor para saber sem dúvida o que ele sabia. Portanto, é necessário avaliar, por meio de referências indiciárias, que, além disso, é necessário adaptar-se à cultura e à personalidade do autor, uma vez que, como foi dito corretamente (COBO e VIVES, 1999, p. 624), “o conhecimento do significado ilegal da conduta não deve ser entendido no sentido do conhecimento da subsunção legal; caso contrário, apenas juristas (e não todos) podem cometer um crime, nem cobrir o conhecimento da punibilidade, mas requer a que foi chamado de avaliação de um autor na esfera do leigo paralelo à avaliação legal “.
[Derecho Administrativo Sancionador, 5 ed. Editorial Tecnos, 2012 (reimpressão 2018), p 339-340]
47. Verifica-se, dessa forma, que, em sendo o mundo mental do infrator inacessível à verificação direta, que a prova do elemento subjetivo é realizada por meio das circunstâncias do mundo
externo, a partir das quais, racionalmente, se infere a intenção do agente.
4.4 Do conceito de culpa
48. O Código Penal define, no artigo 18, inciso II, o delito praticado culposamente:
Art. 18 – Diz-se o crime:
[…]
Crime culposo
I I – culposo, quando o agente deu causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia
49. Explica a doutrina que “na culpa em sentido estrito, não há intenção no resultado, na conduta ilícita. O infrator, ainda que preveja, não deseja causar o dano, mas o faz por imprudência, negligência ou imperícia. É imprudente aquele que age além dos limites que a cautela lhe impõe. É negligente aquele que não toma os cuidados necessários. É imperito o profissional em seu ofício que age com imprudência ou negligência” (SEIFERT, Ronaldo Gerd, Culpabilidade e responsabilidade administrativa ambiental, Revista de Direito v. 14, n. 19, 2011, p. 77).
50. Considera-se imprudência a conduta perigosa, arriscada, adotada sem a observância dos exigíveis deveres de cuidado, ainda que tais deveres derivem de normas de outros ramos do direito (como o CTB), disposições regulamentares, regulatórias ou mesmo padrões técnicos.
51. A negligência (diferentemente da imprudência que se materializa com um agir) resta caracterizada em situações nas quais o agente deixa de fazer algo que a diligência normal lhe impõe. Cite-se, como exemplo, a conduta de deixar de dar manutenção em veículo automotor, gerando a emissão de gases poluentes em níveis superiores ao permitido em regulamento.
52. Observa-se, portanto, que, para caracterização de um dos tipos de culpa, que pressupõe negligência, torna-se necessário analisar se o administrado adotou todos os deveres de cuidado que a situação exigia, podendo-se concluir, desde logo, que na responsabilidade subjetiva é devida a responsabilização administrativa daquele que, mesmo sem intenção de fazê-lo, comete infração ambiental por não adotar medidas pré-concebidas de cuidados nas suas ações.
53. A imperícia, por fim, está relacionada à inaptidão (momentânea, ou não) para o desempenho de arte, ou profissão.
54. Consoante leciona a maioria dos doutrinadores, nas infrações cometidas por culpa (em sentido estrito), a conduta voluntária do agente está dirigida a um fim irrelevante para o direito, mas que por imprudência, imperícia, ou negligência, vale dizer, em razão da inobservância de um dever de cuidado, gera resultado previamente tipificado em norma fixadora das infrações administrativas ao meio ambiente. Por todos, confira-se as lições de Paulo José da Costa Júnior:
A finalidade endereça-se a um resultado juridicamente irrelevante. A ação culposa caracteriza-se por uma deficiência na execução da direção final. E esta deficiência se deve ao fato de a orientação dos meios não corresponder àquela que deveria em realidade ser imprimida para evitar as lesões aos bens jurídicos
[Nexo Causal. São Paulo: Malheiros, 1996, p. 23]
55. Perceba, então, que, na infração praticada com culpa, não é a finalidade que individualiza a conduta juridicamente relevante do agente, e, sim, o modo utilizado para o alcance da finalidade; isso, porque é um modo violador de um dever de cuidado e que gera um resultado previsto no tipo infracional. Veja o que Rogério Greco diz sobre o ponto:
Esse dever de cuidado objetivo, dirigido a todos nós, faz com que atentemos para determinadas regras de comportamento, mesmo que não escritas ou expressas, a fim de convivermos harmoniosamente em sociedade. Cada membro da sociedade parte do princípio de que esse dever de cuidado objetivo será observado pelo seu semelhante. quem precisa de norma expressa para considerar perigosa a conduta daquele que coloca um pesado vaso de flores no parapeito de uma janela localizada no 13º andar de um prédio, ou aquele que avança um sinal de trânsito de parada obrigatória, ou mesmo daquele pai, no exemplo de Ney Moura Teles, que deixa a sua arma carregada ao alcance de seus filhos menores? Todas essas condutas devem ser evitadas porque infringem um dever de cuidado objetivo. Caso contrário, isto é, caso o agente as pratique e, em consequência, venha a produzir resultados lesivos, terá de responder por eles. [Curso de Direito Penal. 11 ed. Impetus, 2009, p. 203]
56. Além disso, historicamente, consolidou-se três formas de culpa, a denominada in eligendo (em escolher), in vigilando (em vigiar) e in custodiendo (em guardar), as quais permanecem relevantes para o âmbito administrativo e configuram responsabilidade subjetiva. Assim, por exemplo, se alguém efetua contratação de representante, prestador de serviço ou sociedade sem o devido cuidado, por exemplo, sem que esses possuam habilitação legal, agirá com culpa in eligendo, podendo responder pela infração dos artigos 61-62 do Decreto 6.514/98. Por outro lado, se cabia a uma empresa fiscalizar a execução de uma operação e não adotou a conduta considerável enquanto responsável, caso advenha alguma consequência danosa ao meio ambiente tipificada no artigo 61 do Decreto 6.514/2008, será possível imputar-lhe responsabilidade por culpa in vigilando. Ao fim, se cabia a uma pessoa que possui a guarda de animal silvestre e o deixa escapar por falta de cautela, responde por culpa in custodiendo pela infração do artigo 25 do Decreto 6.514/2008.
57. Cabe aqui um esclarecimento fundamental quando se está a avaliar a culpa in eligendo de órgãos da administração pública na contratação de prestadores de serviço. Observe-se que a discricionariedade da administração é limitada pelas regras dos procedimentos licitatórios, de maneira que, nessas hipóteses, não há que se reputar preenchida a responsabilidade subjetiva uma vez que, como bem apontou o TST, “a necessidade de realização de prévio procedimento licitatório e a sua estrita observância pela Administração Pública afasta a existência de culpa in eligendo” (Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Ag-E-RR-390-54.2013.5.02.0447, rel. Min. Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, DEJT 23/11/2018).
58. Justamente em razão dessa característica é que não existirá, nos tipos infracionais, menção
a todas as possíveis condutas culposas capazes de gerar o resultado previsto na norma. Explica-se: o artigo 60 do Decreto n. 6.514/08, prevê aumento das sanções administrativas previstas na respectiva subseção, nos casos em que a infração for consumada mediante uso de fogo. A norma não irá descrever, por exemplo, todos os possíveis comportamentos do agente que, por imprudência, negligência, ou imperícia, impeça, mediante uso de fogo, a regeneração natural de áreas de preservação permanente, por exemplo, infração prevista no artigo 48 do Decreto n. 6.514/08. Caberá ao agente de fiscalização, bem assim às autoridades julgadoras, as tarefas de examinar os elementos que integram a infração e de amoldar a conduta do agente ao tipo infracional.
59. Ao lado das formas pelas quais a culpa se manifesta (imprudência, negligência e imperícia) a doutrina penal desdobra a culpabilidade em seus componentes, quais sejam, a imputabilidade, a potencial consciência da ilicitude a exigibilidade de conduta diversa, temas os quais serão abordados quando da análise da exclusão da culpabilidade, mas que, por hora, são assim sintetizados por Guilherme de Souza Nucci:
Trata-se de um juízo de reprovação social, incidente sobre o fato e seu autor, devendo o agente ser imputável, atuar com consciência potencial da ilicitude, bem como ter a possibilidade e a exigibilidade de atuar de outro modo, seguindo as regras impostas pelo Direito (teoria normativa pura, proveniente do finalismo.
[NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal. 14. ed. Rio de Janeiro, 2018, p. 257]
60. Além da conduta violadora do dever de cuidado e do nexo de causalidade entre essa conduta e o resultado previsto na norma fixadora das infrações ambientais, os doutrinadores falam da necessidade de previsibilidade objetiva do fato pelo agente. Observe-se, que é necessário apenas que o resultado seja previsível por um agente racional, não se analisando nesse momento uma análise das condições individuais desse. O que se busca nesse momento, como bem aponta Cezar Roberto Bitencourt, em lição de direito penal aplicável ao direito administrativo, é afastar a ocorrência de caso fortuito da conduta culposa:
Sendo, no entanto, imprevisível o resultado não haverá delito algum, pois se tratará do mero acaso, do caso fortuito, que constituem exatamente a negação da culpa
[Tratado de Direito Penal: parte geral. v.1. São Paulo, Saraiva, 2004, p. 277].
4.5 Da distinção entre responsabilidade subjetiva e elemento subjetivo (psicológico)
61. Conforme apontado acima, resta claro que a exigência de responsabilidade subjetiva para a ocorrência de infração ambiental não se confunde com o requisito de elemento subjetivo (entendido enquanto psicológico), uma vez que se admite, além do dolo, esse sim um elemento psicológico, a culpa, que possui duas formas de expressão: a consciente e a inconsciente. Nessa última modalidade, resta claro que inexiste elemento psicológico (consciência do agente de que age de forma imprudente), mas, nem por isso, deixa o ato de ser reprovado pelo direito. Aquele que simplesmente ignora os deveres exigidos de todos e cujo conhecimento é presumido e exigível pela lei (art. 3º da Lindb) é considerado culpável, inclusive pelo direito penal.
62. Por conta dessa característica de independer de elemento subjetivo é que a culpa é considerada enquanto elemento normativo. Observe-se, contudo, que isso não representa dizer que a culpa inconsciente se trata de responsabilidade objetiva ou culpa presumida, uma vez que na análise da reprovabilidade pelo direito, a avaliação das circunstâncias concretas nas quais o alegado infrator se encontra é o foco, assim, ao se reportar à reprovabilidade da conduta do sujeito, a culpa inconsciente é reputada, igualmente, enquanto responsabilidade subjetiva.
4.6 Do erro de tipo [infracional] e erro de proibição
63. Fundamental à compreensão da responsabilidade subjetiva encontram-se as figuras denominadas de erro de tipo [infracional] e erro de proibição, uma vez que esses são capazes de desclassificar o dolo para a culpa ou mesmo excluir a culpabilidade de um agente, o que apresenta relevância, inclusive, para fins de autoria e participação, tema que se analisará abaixo em detalhe. Apesar de igualmente estudados no âmbito penal, outras formas de erro não serão aqui tratadas, como o erro de tipo permissivo.
64. Dito isso, quanto ao próprio conceito de erro, com precisão aponta Cezar Bitencourt que esse “vicia a vontade, isto é, aquele que causa uma falsa percepção da realidade, tanto pode incidir sobre os elementos estruturais do delito – erro de tipo – quanto sobre a ilicitude da ação – erro de proibição” (Erro de Tipo e Erro de Proibição: uma análise comparativa. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 91).
65. Quando se verifica o erro (ignorância ou falsa percepção) pelo agente quanto a circunstâncias descritas no tipo infracional, há o chamado erro de tipo, cuja consequência é a exclusão do dolo, mas o que não impede que haja culpa na conduta, de forma que essa deve ser analisada. Assim, se vencível o erro de tipo, a conduta passa a ser considerada culposa, mas se invencível ao agente, então exclui-se também a culpa. Por exemplo, para as infrações ambientais cuja ausência de autorização ou licença da autoridade é elementar, caso o particular creia entenda estar autorizado, haverá culpa, a qual, igualmente é punida, a menos, por exemplo, que haja uma falsidade da qual não participou ou haveria como identificar.
66. Não há que confundir o erro de tipo enquanto erro de fato, uma vez que o tipo possui elementos chamados “normativos”, que dizem respeito a conceitos jurídicos. Nesse particular, merece novamente transcrição Cezar Bitencourt ao referir que “É indiferente que o objeto do erro de localize no mundo dos fatos, dos conceitos ou das normas jurídicas. Importa, isso sim, que faça parte da estrutura do tipo penal. Por exemplo, no crime de calúnia, o agente imputa falsamente a alguém a autoria de um fato definido como crime, que, sinceramente, acredita tenha sido praticado (Erro de Tipo e Erro de Proibição, 4. ed., 2007, p. 104).
67. Por sua vez, o erro de proibição não diz respeito às circunstâncias ou quanto à lei em si, mas quanto à ilicitude do ato, ou, como exemplifica Bitencourt, “faz juízo equivocado daquilo que lhe é permitido fazer em sociedade”. (Erro de tipo e erro de proibição, p. 105). Por exemplo, o agente não equivocando-se quanto à ocorrência do tipo infracional, crê, aí sim equivocadamente, que o dispositivo legal foi revogado, pratica a conduta, haverá erro de proibição. Tal tipo de erro, pode ser vencível ou
invencível, sendo na primeira hipótese de culpa, a qual é excluída na segunda. O Direito, ao aceitar o erro de proibição, não está escusando o desconhecimento da lei como fundamento ao ilícito, uma vez que tal é vedado pelo artigo 3º da Lindb, mas devidamente classificando dentro da responsabilidade subjetiva a situação.
68. No âmbito do direito ambiental, ante a relevância que possuem as normas administrativas de conteúdo técnico e dos atos administrativos de licença ou autorização, a existência de erro de proibição nessas atividades especialmente regulamentadas deve ser vista com maior cuidado, como aponta Cezar Bitencourt, doutrinando quanto ao direito penal:
Esse ônus se impõe não apenas aos administradores públicos, mas também àquelas pessoas que exercem determinadas atividade ou profissões que são especialmente regulamentadas, nas quais, se não forem seguidas as normas regulamentares, a conduta poderá tornar-se ilícita. Às vezes, a mera omissão de uma formalidade, por exemplo, pode configurar em comportamento proibido. Não poderão alegar que não sabiam que deviam agir dessa e não daquela forma. Assim, quanto às atividades especialmente regulamentadas antes de serem executadas, precisam os agentes informar-se sobre o modo ou a forma de realizá-las.
[Erro de Tipo e Erro de Proibição, 4. ed., 2007, p. 123]
69. Diga-se, contudo, que não raro existem situações limites nas quais há posições antagônicas dentro da própria administração e que demandam uniformização, ou mesmo quanto aos efeitos de ações de efeitos erga omnes, hipótese nas quais, por exemplo, seria cogitável o erro de proibição, inclusive, invencível.
5. DAS EXCLUDENTES DE CULPABILIDADE
70. Como apontado acima quanto ao conceito normativo de culpa, são definidos enquanto seus requisitos a imputabilidade, a exigibilidade de conduta diversa e a potencial consciência da ilicitude, de forma que a inexistência desses requisitos implica a inexistência de culpa.
71. Ocorre que, em se tratando de excludentes, o ônus probatório pertence originalmente ao autuado, sem que isso implique em inversão de carga probatória. Isso se deve ao fato de que a lei pressupõe a sanidade mental dos cidadãos (tanto é que determina incidentes como e decisões judiciais/administrativas para seu afastamento como previsto, por exemplo, no art. 160, parágrafo único, da Lei 8.112/90, art. 747 e ss. do CPC e art. 149 e ss. do CPP), sua autodeterminação (art. 1º do Código Civil) e o conhecimento das normas (art. 3º da Lindb).
72. Em se tratando de presunções iuris tantum a sanidade mental, a liberdade de ação e a consciência da ilicitude dos cidadãos, é consequência lógica e jurídica que seja prova robusta para o seu afastamento. Nesse tom, conforme disposto no artigo 118 do Decreto n. 6.514/08, cabe ao autuado alegá-las e comprová-las, salvo se dessas tenha tomado ciência inequívoca o fiscal ou autoridade, v.g., pessoa com problema mental evidente ou com a capacidade afastada por decisão judicial, quando, poder-se-á discutir a culpa in vigilando do curador.
73. Observe-se, ainda, que, como se apontará no tópico quanto ao concurso de pessoas, aqueles imputáveis que utilizem de inimputável, pessoa em inexigibilidade de conduta diversa ou daquele que age em erro são sujeitos a ter a conduta desses a si imputada por autoria mediata, respondendo pela infração ambiental. Ademais, é cogitável culpa in vigilando do responsável legal quando existente.
74. Dito isso, cabe analisar as excludentes e suas principais manifestações quanto aos seus efeitos.
5.1 Inimputabilidade administrativa
75. A inimputabilidade, a qual representa a inaptidão de alguém em discernir o certo e errado, retirando, por isso, sua reprovabilidade social (ou culpabilidade), pode ser conceituado, consoante observa Guilherme de Souza Nucci como o “conjunto das condições pessoais, envolvendo inteligência e vontade, que permite ao agente ter o entendimento do caráter ilícito do fato, comportando-se de acordo com esse conhecimento. O binômio necessário para a formação das condições pessoais do imputável consiste em sanidade mental e maturidade” (Manual de Direito Penal. 14. ed. , 2018, p. 264).
76. No que diz respeito à sanidade mental, diante da redação do artigo 79 da Lei 9.605/98, a remissão da conceituação deve ser realizada na forma do caput do artigo 26 do Código Penal, o qual, apesar da linguagem um tanto defasada conceitua inimputável enquanto aquele que “por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.” Tal situação deve, necessariamente, ser assentada por correspondente laudo técnico ante a adoção pela nossa legislação do critério biopsicológico (NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal. 14. ed. 2018, p. 269).
77. O Código Penal excepciona do reconhecimento da inimputabilidade a emoção, a paixão e a intoxicação voluntária ou culposa por substância de efeitos análogos, hipótese nas quais será considerado o agente culpável, na forma do artigo 28 do Código Penal, aplicável às infrações administrativas por conta do artigo 79 da LCA. A exceção a essa regra se encontra no caso quase acadêmico da pessoa vir a se encontrar intoxicado por caso fortuito ou força maior, quando será considerado inimputável.
78. Quanto à maturidade, a OJN 30/2012/PFE/IBAMA admite a aplicação de penalidade a menores de idades, contudo, essa merece reparo diante da responsabilidade subjetiva para o caso das crianças, definidas pelo ECA enquanto a pessoa até doze anos de idade incompletos (art. 2º, primeira parte, da Lei 8.069/90). Isso porque, embora o ECA preveja que essas possam cometer ato infracional, diferentemente do adolescente, as medidas aplicadas a esses visam apenas à sua exclusiva proteção, sem conteúdo repressivo, uma vez que o artigo 105 do diploma remete exclusivamente às medidas do artigo 101 do Estatuto:
Art. 105 do ECA. Ao ato infracional praticado por criança corresponderão as medidas previstas no art. 101.
essa imputado o ilícito caso preenchidos os requisitos legais, sofrendo, por isso, as consequências previstas. A questão torna-se complexa quando se trata de infração com pluralidade de agentes é que tem lugar a temática denominada “concurso de pessoas”, estudada especialmente no âmbito do Direito Penal.
89. Veja-se que o tema do concurso de pessoas é autônomo aquele da responsabilidade subjetiva, contudo, a aplicação dessa possui repercussões naquele.
90. Preliminarmente, cabe referir que, embora parte da doutrina entenda que a punibilidade da participação em infrações depende de previsão legal, quando se fala nas infrações ambientais, tal questão resta superada, uma vez que há previsão nesse sentido no parágrafo único do artigo 3º da Lei n. 9.605/98:
Entretanto, no Direito Administrativo há necessidade de norma jurídica determinar e regular a coautoria na infração administrativa. Cuida-se de norma que expande, estende, amplia a eficácia de outra norma jurídica, a qual, por sua vez, contém a conduta ilícita e as consequências respectivas, isto é, as penalidades.
Não havendo norma jurídica estabelecendo a coautoria, se diversos autores praticarem o ilícito, ainda que estejam previamente ajustados e o cometam com identidade de vontades, cada qual sofrerá a respectiva sanção, independentemente da conduta dos outros – isto é, as condutas serão consideradas autônomas uma das outras: cada autor responderá na medida de sua conduta, considerada isoladamente. Assim, se duas ou mais pessoas deixarem de cumprir as normas sanitárias, embora com desígnios de propósitos e ajustados, cada uma delas responderá pelo ilícito administrativo, autonomamente.
[…]
O tema tem especial relevo na participação: se determinada pessoa, embora não praticando a infração, isto é, não executando o tipo da norma, instiga ou induz alguém à prática do ilícito administrativo, na falta de texto expresso, não responderá por seus atos. Apenas os autores (executores) da infração administrativa serão punidos.
Os conceitos jurídicos de autor e de partícipe não se confundem. Como são diversas as categorias conceituais, somente por norma expressa pode-se atribuir à participação idênticas consequências jurídicas da autoria.
Acrescente-se, se houvesse aplicação da norma do Direito Penal relativa à coautoria (art. 29), haveria analogia in malam partem, vedada em tema de sanções administrativas.
Assim, sem norma expressa, não se admite a coautoria no ilícito administrativo.
Por exemplo, a citada Lei 9.605, de 12.2.1998, que dispõe sobre sanções penais e administrativas referidas ao meio ambiente, no artigo 3º estabelece: “As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente conforme o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade. Parágrafo único. A responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas físicas, autoras, coautoras ou partícipes do mesmo fato”
[VITTA, Heraldo Garcia. Aspectos da imposição de penalidades administrativas, Revista do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, n. 78, p. 31-48, jul./ago. 2006]
91. Dito isso, assentado o regime da autoria e participação sem regramento especifico, bem como a responsabilidade subjetiva, verifica-se que seu regime, na forma do artigo 79 da Lei n. 9.605/98, é aquele previsto no Código Penal, em seus artigos 29 e seguintes especialmente (com exceção das reduções de penalidades previstas no art. 29, §§ 1º e 2º, do CP, uma vez que a matéria é objeto da legislação sancionatória administrativa):
Art. 3º da Lei n. 9.605/98. As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente conforme o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade.
Parágrafo único. A responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas físicas,
autoras, coautoras ou partícipes do mesmo fato.
Art. 79 da Lei n. 9.605/98. Aplicam-se subsidiariamente a esta Lei as disposições do Código Penal e do Código de Processo Penal.
TÍTULO IV
DO CONCURSO DE PESSOAS
Art. 29 do CP – Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
§ 1º – Se a participação for de menor importância, a pena pode ser diminuída de um sexto a um terço. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
§ 2º – Se algum dos concorrentes quis participar de crime menos grave, ser-lhe-á aplicada a pena deste; essa pena será aumentada até metade, na hipótese de ter sido previsível o resultado mais grave. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
Circunstâncias incomunicáveis
Art. 30 do CP – Não se comunicam as circunstâncias e as condições de caráter pessoal, salvo quando elementares do crime. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
Casos de impunibilidade
Art. 31 do CP – O ajuste, a determinação ou instigação e o auxílio, salvo disposição expressa em contrário, não são puníveis, se o crime não chega, pelo menos, a ser tentado. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
92. No direito brasileiro, é majoritária entre a doutrina a teoria formal-objetiva do concurso de pessoas (cf. BATISTA, Nilo. Concurso de Agentes: uma investigação sobre os problemas da autoria e da participação no direito penal brasileiro. 3. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 61), segundo a qual o autor é aquele que realiza o tipo (infracional no que interessa ao presente parecer), sendo considerado partícipe aquele que, por meio de instigação ou apoio material, contribuiu causalmente ao delito.
93. Contudo, tendo em vista as críticas a essa posição teórica, especialmente no que diz respeito à autoria mediata, acabou ganhando relevo na doutrina e reconhecimento jurisprudencial, em especial a partir do julgamento pelo Supremo Tribunal Federal (Pleno) da Ação Penal 470, a conhecida teoria do domínio do fato, segundo a qual “Embora o domínio do fato suponha um controle final, ‘aspecto subjetivo’, não requer somente a finalidade, mas também uma posição objetiva que determine o efetivo domínio do fato” (BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral. v. 1. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 440).