Decisão que anulou multa ambiental aplicada a produtor rural por falta de provas

24 de junho de 2016

TRF4 confirma decisão que anulou multa ambiental aplicada a produtor rural por falta de provas de que teria provocado incêndio em sua propriedade
DireitoAmbiental.Com 6 dias atrás Julgados, Notícias Escreva seu comentário

“Um fazendeiro de São Francisco de Paula, na Serra Gaúcha, conseguiu anular na Justiça uma multa de R$ 85 mil que o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) aplicou contra ele por causa de um incêndio ocorrido dentro de sua propriedade. O Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) entendeu que o auto de infração não continha provas de que o homem foi responsável pelo início das chamas. A decisão tomada na última semana confirmou sentença da 5ª Vara Federal de Caxias do Sul.

O incêndio que destruiu uma área equivalente a 150 campos de futebol de vegetação nativa aconteceu em 2001. O órgão lavrou a multa acusando o proprietário de ter agido de propósito. Como o homem não pagou o valor, teve o nome incluído no cadastro de dívida ativa.

O autor ingressou com o processo em 2007. Em primeira instância, a Justiça extinguiu a penalidade. Conforme os autos, o único documento apresentado pelo instituto para sustentar a sanção foi um relatório sobre a incidência de queimadas na região. Além disso, a fazenda faz limite com uma estrada por onde passam inúmeras pessoas por dia, que poderiam ter dado início ao fogo. A sentença também destacou que sequer foi aberto inquérito policial para investigar o ocorrido. O Ibama apelou ao tribunal.

Na 4ª Turma, a relatora do caso, desembargadora federal Vivian Josete Pantaleão Caminha, negou o recuso. ‘Existindo elementos de prova suficientes para corroborar a assertiva de que o autor não foi responsável pela queimada em área de sua propriedade rural, deve ser afastada a presunção de veracidade do auto de infração, com o reconhecimento da nulidade de sua autuação’, afirmou”.

Fonte: TRF4, 17/06/2016.

Direito Ambiental

Comentário de DireitoAmbiental.com:
Sob a ótica do estudo do direito ambiental, especificamente na atuação da advocacia, a decisão ora comentada respalda tese há muito defendida pelos advogados atuantes na área, ou seja, de que a responsabilidade administrativa em matéria ambiental é subjetiva e não objetiva, como alguns julgados têm levantado. Ocorre que há uma confusão de aplicação do 1º do art. 14 da Lei n. 6.938/81 (…”§ 1º Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente.”). Este dispositivo é aplicável à responsabilidade civil e não administrativa, haja vista tratar de dano ambiental e não de infração administrativa. Além disso, a responsabilidade propter rem é manifestamente civil e, igualmente, não administrativa.

Não há falar em responsabilidade objetiva ou propter rem em matéria de responsabilidade administrativa ambiental, que apura infração ambiental à luz do art. 70 da Lei n. 9.605/98 e regulamentações (Decreto n. 6.514/08). O STJ, inclusive já abordou esse tema no REsp 1251697/PR (Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 12/04/2012, DJe 17/04/2012.

A decisão judicial, absolutamente adequada, afastou a infração administrativa que não demonstrou o nexo de causalidade entre a conduta o infrator e o resultado (ilícito administrativo). Quando o acórdão, citando a sentença, coloca que “não há certeza quanto à origem do fogo que produziu o dano ambiental. Nem há elementos suficientes que permitam concluir que, de fato, o embargante tenha ateado fogo nas suas terras.” Está-se diante do afastamento do necessário nexo causal. Caso o processo tratasse de responsabilidade civil, esse nexo estaria afastado, pois incidente a responsabilidade objetiva e propter rem.

Imperioso reconhecer que o direito ambiental visa primeiramente a reparação do dano ambiental (responsabilidade civil) e não mera punição (responsabilidades administrativas e penal).

Por fim, cabe mencionar que o atual código florestal, no Art. 38, §3º positivou tal entendimento: “§3o Na apuração da responsabilidade pelo uso irregular do fogo em terras públicas ou particulares, a autoridade competente para fiscalização e autuação deverá comprovar o nexo de causalidade entre a ação do proprietário ou qualquer preposto e o dano efetivamente causado.”

por Maurício Fernandes, Professor de Direito Ambiental, Consultor Jurídico em matéria ambiental, Advogado do Escritório Maurício Fernandes Advocacia Ambiental, com sede em Porto Alegre-RS (www.mauriciofernandes.adv.br).

Direito Ambiental

Confira a íntegra da decisão:
APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 5003412-64.2013.4.04.7107/RS
RELATORA
:
Des. Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA
APELANTE
:
INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS – IBAMA
APELADO
:
PORTACIO DE OLIVEIRA TITONI
ADVOGADO
:
IVAN DO AMARAL BORGES
MPF
:
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
RELATÓRIO
Trata-se de embargos à execução opostos por PORTÁCIO DE OLIVEIRA TITONE em face de execução aparelhada pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA que, em decorrência da suposta prática de dano à vegetação nativa pelo uso de fogo em área agropastoril de 150 hectares, lavrou auto de infração e fixou multa administrativa de R$ 85.389,18.
Após regular trâmite, sobreveio sentença que julgou procedente a incidental e extinguiu a execução fiscal, condenando o IBAMA ao pagamento de verba honorária, definida em 10% do valor da causa.
Inconformado, o IBAMA interpôs recurso de apelação para ver reformada a sentença, declarando-se válido o auto de infração. Nesse sentido, referiu que o auto de infração é legal, não tendo havido a produção de provas e alegações que desconstituam a presunção de liquidez e certeza da Certidão de Dívida Ativa.
Apresentadas contrarrazões recursais, o feito foi remetido a esta Corte.
O Ministério Público Federal manifestou-se pelo desprovimento da apelação.
É o relatório.
VOTO
Uma vez que concordo totalmente com o entendimento adotado pelo Juízo a quo quando da prolação da sentença combatida, peço vênia e utilizo, por razões de decidir do apelo, a fundamentação constante no referido decisum, assim vertida:
II – Fundamentação.
Multa – exigibilidade
Segundo consta dos autos o embargante foi autuado por fazer uso de fogo em áreas agropastoris no total de 150 hectares, causando danos à vegetação nativa.
O embargante alega, contudo, que não deu causa ao incêndio, razão pela qual não poderia ter sido multado.
Trata-se, portanto, de verificar se o auto de infração lavrado identificou corretamente o autor do fato que deu origem à multa aplicada. Para tanto, necessário analisar os documentos anexados aos autos.
De acordo com o auto de infração, lavrado em 06.09.2001 (fl. 48), o embargante foi autuado por ‘atear fogo em área agropastoril no total de 150 hectares causando dano à vegetação nativa’.
A documentação relativa ao processo administrativo, assim como a impugnação do IBAMA (fls. 45/47 e 48/56), não trazem informações relevantes acerca dos fatos. O auto de infração não apresenta maiores detalhes sobre a queimada e o restante dos documentos nada acrescenta.
A princípio não houve a instauração de inquérito policial. Na verdade nada foi informado sobre eventual investigação criminal.
Os depoimentos colhidos em Juízo confirmam a tese do embargante no sentido de que não possui a área de 150 hectares indicada no auto de infração e que não pratica a queimada em sua área de campo (fl. 87).
Como podemos ver, não há certeza quanto à origem do fogo que produziu o dano ambiental. Nem há elementos suficientes que permitam concluir que, de fato, o embargante tenha ateado fogo nas suas terras.
Não há informação sobre a data, ainda que aproximada, em que ocorreram os fatos. Por outro lado, verifica-se que a área queimada não foi submetida à perícia ou qualquer outra método de avaliação técnica, de maneira que não foi constatado o local onde iniciou o fogo, nem as circunstâncias em que se deu o incêndio, especialmente considerando que a área tem como limite uma estrada municipal por onde circulam inúmeras pessoas.
Não foi apontada qualquer conduta por parte do embargante ou de seus prepostos que tenha contribuído direta ou indiretamente para o fato.
O termo de inspeção e o relatório de fiscalização não detalham os fatos. O relatório de fiscalização se limita a informar que dentre as atividades executadas foram constatadas diversas queimadas em diversas áreas no Município de Cambará do Sul e região, mas nenhum detalhe é apresentado sobre as referidas queimadas (fls. 49/50).
O que se tem de concreto, portanto, é que, em data não definida, na propriedade rural do embargante houve um incêndio que atingiu a mata nativa e ele, na condição de proprietário do imóvel, foi autuado. Nada mais.
Diante disso, tenho que é indevida a multa aplicada pelo IBAMA, na medida em que considero inviável a imposição de penalidade fundada, como no caso concreto, exclusivamente na condição de proprietário do imóvel atingido pelo incêndio.
E ainda que se alegue que os agentes estatais gozam de fé pública e seus atos se revestem de legitimidade é incontroverso que tais princípios são relativos e que os atos administrativos, especialmente aqueles que impõem penalidade, devem ser devidamente instruídos e as decisões respectivas devidamente fundamentadas, sob pena de nulidade.
Nesse sentido, o lançamento deve ser anulado.
Com efeito, conforme bem registrado pelo representante do MPF atuante na condição de custos legis, em que pese o incêndio tenha ocorrido em área de propriedade do ora apelado Portácio (matrícula nº 18.846, do Registro de Imóveis da Comarca de São Francisco de Paula), a ele não cabe atribuir a sua autoria e, por conseqüência, a imposição da multa em questão, inclusive em virtude de sua propriedade fazer divisa com uma estrada municipal por onde circulam diversas pessoas, nada tendo sido trazido de concreto aos autos no sentido de que teria sido o requerido o causador do dano ambiental.
Sinala-se que a decisão combatida encontra-se em consonância com o entendimento adotado por este Tribunal, conforme se verifica, exemplificativamente, pelas seguintes ementas:
ADMINISTRATIVO E AMBIENTAL. AUTO DE INFRAÇÃO. QUEIMADA. PRESUNÇÃO DE VERACIDADE. NÃO CONFIRMAÇÃO EM JUÍZO. Os atos administrativos gozam de presunção de legitimidade e legalidade, cabendo ao autor produzir prova capaz de afastar essa presunção. Existindo elementos de prova suficientes para corroborar a assertiva de que a autora não foi responsável pela queimada em áreas de sua propriedade rural, deve ser afastada a presunção de veracidade do auto de infração, com o reconhecimento da nulidade de sua autuação. (TRF4, APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 5009850-64.2012.404.7100, 4ª TURMA, Des. Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, POR UNANIMIDADE, JUNTADO AOS AUTOS EM 09/12/2013)
ADMINISTRATIVO. IBAMA. MULTA. INCÊNDIO. DEGRADAÇÃO AMBIENTAL. INSUFICIÊNCIA DE PROVAS DA AUTORIA. Embora os fatos estejam devidamente apurados em processo administrativo, cabia ao executado produzir prova a seu favor (de que não deu causa, por ação ou omissão, ao incêndio e aos danos ambientais). No entanto, as provas foram dispensadas, mas eram necessárias para se ter certeza a respeito da origem do incêndio. Diante da insuficiência de provas, deve ser anulada a sentença proferida (TRF4, APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 5002058-94.2010.404.7208, 4ª TURMA, Des. Federal CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JÚNIOR, POR UNANIMIDADE, JUNTADO AOS AUTOS EM 19/06/2015)
ADMINISTRATIVO. IBAMA. INCÊNDIO EM PROPRIEDADE AGROPASTORIL. INTENÇÃO DE REALIZAÇÃO DE QUEIMADA. NÃO COMPROVAÇÃO. 1. Não se conhece do agravo retido quando não reiterada a sua apreciação nas razões de apelação ou contrarrazões, consoante disposição do artigo 523, § 1º, do CPC. 2. Demonstrado por prova testemunhal e fotografias que o incêndio teve início fora da propriedade da autora e, não tendo atingido toda a extensão desta, não há de ser mantido o auto de infração com fundamento em realização de queimada sem autorização de órgão ambiental competente. (TRF4, APELAÇÃO CÍVEL Nº 2006.71.03.000519-5, 3ª TURMA, Des. Federal FERNANDO QUADROS DA SILVA, POR UNANIMIDADE, D.E. 12/07/2011, PUBLICAÇÃO EM 13/07/2011)
Nesse diapasão, verifica-se que a decisão proferida pelo Juízo a quo não merece qualquer reproche, devendo ser mantida, em todos os seus termos.
Em face do disposto nas súmulas n.ºs 282 e 356 do STF e 98 do STJ, e a fim de viabilizar o acesso às instâncias superiores, explicito que a decisão não contraria nem nega vigência às disposições legais/constitucionais prequestionadas pelas partes.
Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação.
É o voto.
Desembargadora Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA
Relatora
APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 5003412-64.2013.4.04.7107/RS
RELATORA
:
Des. Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA
APELANTE
:
INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS – IBAMA
APELADO
:
PORTACIO DE OLIVEIRA TITONI
ADVOGADO
:
IVAN DO AMARAL BORGES
MPF
:
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
EMENTA
ADMINISTRATIVO. IBAMA. MULTA. INCÊNDIO. DEGRADAÇÃO AMBIENTAL. INSUFICIÊNCIA DE PROVAS DA AUTORIA.
Os atos administrativos gozam de presunção de legitimidade e legalidade, cabendo ao autor produzir prova capaz de afastar essa presunção. Existindo elementos de prova suficientes para corroborar a assertiva de que o autor não foi responsável pela queimada em área de sua propriedade rural, deve ser afastada a presunção de veracidade do auto de infração, com o reconhecimento da nulidade de sua autuação.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 08 de junho de 2016.
Desembargadora Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA
Relatora
Documento eletrônico assinado por Desembargadora Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, Relatora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 8302540v5 e, se solicitado, do código CRC 98DF008D.

WhatsApp